Casa de Camilo

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco
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Seide Saúda-vos!

17 de junho de 2012

Camilo na prisão... com leitores das 'Insónias'

E nem a chuva impediu que alguns leitores, das "Noites de Insónia", visitassem Camilo na Cadeia da Relação, através das Memórias do Cárcere.

A estes juntaram-se outros, curiosos por saberem como é que aquela cadeia albergou nome tão sonante como o de Camilo Castelo Branco.

Ainda na estação, o "Camilo" fez furor... (Quem é aquele? - perguntavam uns...)

Pois, Camilo saíu à rua e pôs muitos a pensar!... (...é que, mesmo atrás das grades ele não ficou preso, não!) 






E, aqui, o nosso amigo, Sósia de Camilo Castelo Branco, visto pela câmara de Gaspar de Jesus, na Cadeia da Relação (Centro Português de Fotografia):





Caminhada à Chuva... em noite de museus!

Para festejar mais uma noite de museus, 18 de Maio, Camilo saíu de casa e passeou mais a Brasileira de Prazins, fazendo uma visita ao Senhor do Paço de Ninães. Chovia a bom chover, mas não foi impeditivo que a eles se juntassem os amigos - não os cento e nove impávidos marotos - mas aqueles que sempre o acompanharam em todas as caminhadas da vida. 
E assim se cumpriu mais uma serenata camiliana... em noite de museus.










Pode ler-se mais, aqui:

http://casadecamilo.wordpress.com/2012/05/26/na-noite-dos-museus-a-casa-de-camilo-organizou-mais-um-percurso-camiliano/




14 de junho de 2012

Camilo na Cadeia...


31 março 15h30-18h30
Percurso Judicial de Camilo Castelo Branco no Porto
Ponto encontro – Centro Português de Fotografia

19 maio 15h00 sábado
Visita Camiliana à Cadeia da Relação Porto
Especial para Comunidade de Leitores


Inserido nas comemorações dos 150 anos de "Memórias do Cárcere", uma visita guiada, seguindo o "Percurso Judicial de Camilo Castelo Branco no Porto, passando pela Cadeia da Relação, pelo tribunal, ali à beira, onde está exibido o processo de Camilo e Ana Plácido, condenados pelo crime de adultério.
E ainda, passeio pelas ruas e casa onde tudo começou: o "Amor de Perdição", a paixão por Ana Plácido que levou Camilo à cadeia...



Os 150 anos da primeira edição da obra “Memórias do Cárcere”, o emocionante testemunho da experiência do escritor Camilo Castelo Branco nas celas da Cadeia da Relação do Porto, nos anos 1846 e 1861.


A Comunidade de Leitores das "Noites de Insónia" participou nesta visita à Cadeia da Relação do Porto


Aqui, as fotos da visita, em 19 de Maio de 2012


14 de fevereiro de 2012

Memórias do Cárcere – DISCURSO PRELIMINAR

Na próxima quarta-feira, 15 de Fevereiro,  começará a nova temporada das " Noites de Insónia". 
"Memórias do Cárcere" será a obra a ser lida e debatida nas 9 sessões que se seguirão. 




   Quem vir, em obra de tão pouca monta, o empavesado intróito dum  discurso preliminar,  entra logo a sorrir do desvanecimento com que um fútil romancista vem com a sua obra arreada de composturas, que só concertam ao justo em escritos de ciência, de filosofia, de história, e algumas vezes nos reportórios.          
   Acudo eu logo, por minha modéstia e bom juízo, alegando que  discurso preliminar, neste caso, quer dizer que o autor, antes de folhear os seus apontamentos do cárcere, há-de entreter-se algum pouco espaço com recordações, nem mais saudosas, nem gratas, que as dos ferros, mas benquistas do espírito e da gratidão que as reservou para esta hora. De gratidão, digo, e depois virá o porquê.
   Em uma risonha tarde de Maio de 1860 chilreavam as aves o seu hino crepuscular e de despedida ao formoso sol daquele dia. Os coretos dos alados cantores eram as amoreiras e acácias floridas da Praça de D. Pedro, as quais vaporavam de suas urnas de branco e rosa aromas suavíssimos. Por entre o arvoredo se andavam passeando e deliciando os amantes da natureza; e ela, deles namorada, parecia guardar-lhes para a noite os seus enfeites de mais primor, como fina amante, que mais se poetiza e doura, e enternece ao pálido luzir das estrelas.
E estava eu contemplativo e devaneando nisto, quando a carta de um amigo me avisou de uma sentença que me privava de contemplar as acácias, e aspirar os aromas, e escutar arroubados os hinos das aves. Ao aviso acrescia o conselho da imediata saída do Porto, antes que os aguazis me levassem a sitio onde os perfumes das árvores em flor da Praça de D. Pedro deviam chegar muito degenerados.
   Pareceu-me razoável este argumento de perfumes, e aceitei o alvitre do desterro, desterro voluntário para onde quer que a superabundância de  getas me desse azo a julgar-me em parelhas com Ovídio, comparação em que tanto Ovídio como as nossas províncias do norte se deviam magoar por igual, se o autor não estivesse gracejando.
   Às nove horas da noite desse dia, aí perto da igreja do Bonfim, senti a consolação das lágrimas, não minhas, lágrimas estranhas, que são, em alma adusta, como a nuvem que o céu abriu em vertentes sobre a terra rescaldada. Este chorar consolador era de homem que vai a meio caminho da vida com a mimosa sensibilidade dos quinze anos. Era Custódio José Vieira, o fervente tribuno, o cavalheiro pundonoroso até à bravura, o jornalista virulento, o advogado incendido em raptos de energia.
   Quem dirá que chora Custódio José Vieira? Quantas vezes eu tenho pedido aos seus maus julgadores que o reputem menos sanhudo que o leão de Numídia e o tigre de Benguela! (1) Os que o viram tribuno, nas praças e na imprensa, dizem que ele seria capaz de devorar uma família real inteira como quem come um pastelão de pombos. Os que o ouviram nos tribunais, pedindo aos próceres da república que se lavassem de nódoas indecorosas à sua memória, aventaram nele o sanguinário orador romano que pedia a cabeça de Catilina. Os que o viram ir a longes terras pedir desafronta, se porventura dois talentos podem sair-se com afrontamento digno de reparação, cuidaram que o timbroso moço queria ensopar as mãos em sangue, em formar no seu gabinete pavoroso uma galeria de crânios.
   Ora vejam que mal o julgava o mundo! Custódio José Vieira se visse um rei em perigo de cair nas garras de algum  Cromwell, o primeiro em que ele batia era no Cromwell. Se Custódio José Vieira visse a desonra dum estadista – imerecida desonra – promulgada pelo triunfo caviloso de sua eloquência, o mais atormentado pela calúnia não seria o réu. O acusador, cedo ou tarde convencido de sua iniquidade, iria buscar o holocausto de alheios vícios para lhe dizer no pináculo das honras, ou no raso da sepultura: «Na minha voz repercutiu a voz do mundo, por isso te acusei. Podias lançar de ti o estigma. Não quiseste; sabias que o segredo revelado da tua comiseração te restauraria a honra, acrescentada em outras que se não alcançam por trilhas vulgares. Enquanto os teus mais grados malsins de inventados crimes te gemem elegias ao pé do esquife, sem rasgarem as páginas em que te marearam a velhice, venho eu aqui dizer-te, ó grande que ora és nada, que iniquamente foste infamado, e eu, na torrente dos injustos, injusto fui contigo. Aqui deixo em pó, ao lado de tuas cinzas, a página que dei para o falso apreço da tua vida pública e íntima. Se deste acto me converterem a dignidade em peçonha, tragá-la-ei, para que assim pela expiação se vá remindo a consciência inquieta.»
                                             
(1) 
Em Benguela não há tigres; em Bengala, sim. Como a 3ª edição, que serviu de original, é revista pelo autor, mantemos Benguela, embora convencidos de se tratar de um lapso. (Nota do revisor.)

(...)
Era o primeiro dia de Outubro de 1860.
O céu estava azul como nos meses estivos. O Sol parecia vestido das suas galas de Abril, a bafagem do sul vinha ainda aquecida das últimas lufadas do Outono. Que formoso céu e sol, que suave respirar eu sentia, quando apeei da carruagem à porta da
cadeia!

   

13 de fevereiro de 2012

Memórias do Cárcere – I de Camilo Castelo Branco


PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

As  Memórias do Cárcere  foram escritas na convalescença duma grande enfermidade moral. Conheci quanto pode o homem sobre si próprio, em quarenta dias de laboriosa provação, que tantos empreguei em ordenar estes quadros, que constituíram dois pequenos volumes na primeira publicação. Consistiu a minha luta em fingir uma estóica serenidade, que, tão ao revés da minha índole, vinguei e dissimulei. Assim mesmo haviam relanços no livro em que o propósito não lograra sopesar o espírito. Esses relanços desagradam-me agora, e hei-de cancelá-los espontaneamente. Ainda bem que de mui pouco me incomoda o arrependimento. Se me disserem que outro homem poderia dar mais louvável exemplo de cordura e mansidão, responderei que exemplo mais louvável só poderia dá-lo quem se calasse, em analogia de circunstâncias. Isso, a tê-lo eu feito, me seria agora motivo de muito orgulho – o orgulho de quem se alevanta superior às dores e às afrontas.
Este livro esteve a naufragar, quando eu cuidava que ele ia velejando em mar de leite. O título dera esperanças, que o texto desmentira. Afizera-se o venerando público à ideia de que as Memórias do Cárcere eram uma diatribe eriçada de injúrias, sarcasmos e glosas ao escândalo, que desgraçadamente as dispensava, tão à luz do sol se desnudara arrastado por praças e tribunais. Saiu o livro, mentindo às esperanças de muita gente, que o esperava à feição de sua vontade para ter o prazer de me condenar. O resultado foi condenarem-me, porque raras vezes estas páginas se enlamearam no assunto lastimável que as sugeriu.
Para contrafazer ao desconceito que algumas pessoas votaram ao livro, saiu-me favorável o parecer de outras, que mostraram desejo de ver esta obra expurgada de algumas manchas que lhe afeiam a continente placidez com que discorre quase sempre arredada da minha questão toda pessoal, e por isso mesmo odiosíssima.
Desgostos mais graves me sobrevieram. Inimigos mais estúpidos que maus quiseram ver, no modo como eu falei do meu prestante e obsequiador amigo José Cardoso Vieira de Castro, uma intencional e pouco rebuçada desconsideração. Doeu-me deveras isto, mormente porque Vieira de Castro, de feito, se quis ver desconsiderado nesses períodos, que vão agora integralmente reproduzidos. A calúnia de gentio, empenhado em desatar o laços de muita estima e obrigação que me ligam àquele cavalheiro, enojava-me; porém, o assentimento do moço ilustrado às aleivosias dos lorpas, doeu-me no mais sensível da minha alma. Se eu agora retocasse alguma das palavras referidas ao meu amigo, quem maior testemunho dava da sua miséria seria eu. Os alarves batiam as palmas, e Vieira de Castro pasmaria!
A imprensa periódica foi benigna com este livro. Nenhuma crítica, ao menos das que eu li, me infamou de escandaloso o escrito. Grande número dos censores notaram e louvaram a inofensiva contextura destas historietas, que, em geral, miravam a fazerem-se ler alegremente. Se o consegui, esta suprema violência, que eu fiz ao meu espírito, devera ser tida em conta, não de habilidade, mas de muitíssima força de alma.

CAMILO CASTELO BRANCO

25 de janeiro de 2012

Leituras Escolares

Camilo Castelo Branco
Camilo Castelo Branco é um dos principais escritores da língua portuguesa. Toda a gente conhece o Camilo escritor de romances, mas poucos conhecerão o Camilo Castelo Branco escritor de textos científicos.
O livro  Leituras Escolares   tem um texto intitulado " A agua" da sua autoria.
Segue-se o interessante escrito na sua grafia original.

            "A’ semelhança do ar, é a agua indispensável á  conservação da vida animal. Reduzida a vapor, condensa-se em nuvens, desfaz-se em chuva e volve-se um dos princípios mais fecundantes da vegetação. A agua corrente é o mais económico motor ao alcance do homem; aquecida até certo grau, faz-se agente de força illimitada (machina de vapor); é, em summa, um magnífico adereço do universo.
Os ribeiros, lagos e catadupas aformoseiam a paizagem, e não há ahi coisa mais majestosa que a corrente de um rio largo, e nada mais espectaculoso que o mar em tormenta.

A agua que envolve parte do globo ( a agua marítima), ou a que lhe deriva no interior, ou á  flor da terra (agua doce), contém matérias extranhas, que lhe depuram mediante a vaporização ou a destillacão. Quem quer saber a quantidade de matérias sólidas, taes como sulfato de cal e carbonato de cal, dissolvidas na agua de fonte ou poço, faz evaporar o liquido em um vaso vidrado, posto ao fogo. A valia-se a pureza da agua consoante a qualidade e natureza do resíduo. Devem considera-se boas para beber as aguas correntes, límpidas, sem cheiro, nas quaes se cozem bem os legumes e sem cheiro, nas quaes se cozem bem os legumes e se dissolve o sabão sem produzir grumos, nem perder a limpidez, ainda que lhe disslvâmos nitrato de prata, e que, evaporadas até ao extremo, deixem pequeno ou nenhum depósito. A agua pura, a não ser sufficientemente arejada, não é boa. Agua procedente de chuva, neve ou gelo deve ser filtrada ao travéz de pedra porosa ou camada de areia fina. Depois, é mister vascolejá-la em loca bem arejado, para que ella se torne excellente.

A agua passa do estado líquido ao sólido pelo abaixamento de temperatura (quando géla). Neste caso, o seu volume progressivamente diminue  até marcar cerca de quatro graus centígrados de temperatura, pouco mais ou menos, acima de zero do thermómetro. E’ então que ella ao seu maximum de densidade ( o maior peso no mesmo volume). D’aqui em deante, o liquido dilata-se, e, se o vaso que o contém, não é movido, a temperatura póde baixar até cinco graus sem gelar; mas, logo que o vaso é agitado, apparece multidão de caramellos que se agrupam, formando massa de agua gelada, cujo volume é maior que o do líquido de que procede. Calcula-se que 14 litros de agua produzem 15 litros de gêlo. Isto explica as rupturas longitudinaes das arvores nos Invernos aturados. Tem-se visto a agua gelada, em canudo de ferro de espessura de um dedo, abri-lo por dois pontos. Também se calcula que a força empregada pelo gêlo no rompimento de uma esphera de metal, equivale a 13:860 kilogramas."



20 de janeiro de 2012

O namoro em 1815

Rua do Porto
Foto retirada daqui:

O namoro em 1815

Em 1815 podia-se namorar honestamente de uma janela para a outra, na Rua das Flores, sem que uma patrulha insolente parasse debaixo para testemunhar a vida íntima dos que lhe pagam. Podia cochichar delícias a donzela recatada da trapadeira para a rua, sem que o amador extático ao som maviosíssimo daquela voz, receasse o retire-se! brutal do janizaro. Podia, finalmente, segurar-se o gancho de uma escada de corda no terceiro andar, subir impávidamente, conversar duas horas sobre vários assuntos honestos, e descer, sem o receio de encontrar cortada a retaguarda por um selvagem armado à nossa custa, que nos conduz ao corpo da guarda a digerir a substância da deliciosa entrevista.
Bem-aventurados, pois, os que namoravam em 1815.

Camilo Castelo Branco

16 de janeiro de 2012

Daqui houve nome Portugal




Prefácio:
A Domingos Peres das Eiras com umas Violetas


(...)
- Precisas de ler Camilo - responderam-me. Eu calei-me: não era forte em Camilo. Pensava no espírito tão genuinamente popular desta terra, a que se encontrava vinculada a mais alta das virtudes, a sua fronderie liberalista, que conquistou o privilégio de banir a nobreza dos seus muros e não permitiu ao Tribunal do Santo Ofício celebrar aqui mais do que um só auto-de-fé. Que me importava a mim, naquele momento, o que Camilo dissera do Porto? Poderia alguém, Camilo ou quem quer que fosse, negar aquela beleza desgrenhada e áspera que tinha diante dos meus olhos? Só mesmo quem fosse cego de nascença...
(...)
Quanto a Camilo só o li - e mal, é certo! - muitos anos depois: quando voltei ao Porto para ficar. Quem o nega? Camilo viu do Porto a outra face, a do «burgo antigo com a sua dinastia de comerciantes», que o Eça também lhe descobre, sem contudo lhe negar o que Camilo lhe negou - a honradez: «O bom portuense se quiser ter foros de cidadão terá de provar que o bisavô veio para a cidade com uma broa e meio presunto no saco, escarranchado sobre dois costais de castanholas; que o avô teve balcão de fazendas brancas e foi irmão do Santíssimo, irmão benemérito da Misericórdia, e vinte anos a fio vestiu balandrau para pegar ao andor de Nossa Senhora. Item, que o pai era, sem vergonha do mundo, negociante de quatro portas, afora os postigos por onde passava o contrabando; que sua mãe fora uma gorda e boa mulher que remendava, passajava e sabia mesmo deitar uns fundilhos nas calças do marçano e nunca na vida tivera pacta com letra redonda.» Era isto o Porto , na juventude de Camilo? Se pensarmos no pendor caricatural e polémico do autor do «Amor de Perdição», nas circunstâncias em que tais palavras, e outras, e outras, foram escritas (poucas vezes, como aqui, o verso de Pessoa «Compra-se a glória com desgraça» terá tido tanta ressonância), poder-se-á objectar que a imagem está um tanto ou quanto desfocada; ou se preferem: não seria o provincianismo apelintrado, que se despeja inteiro na cidade da Virgem, afinal, característica de todo o país? Do país..., do país..., que pensava Camilo? Oiçam-no! «Quando se fará ao menos inodora esta cloaca de Portugal?»  Azedo, agastado, doente, «escouceado» numa terra que lhe não perdoava o sarcasmo, como a Garret não perdoou a ironia, Camilo ainda pôde, contudo, escrever a um amigo: «Estou triste. Aproxima-se a hora de deixar para sempre esta terra, onde a par de muitos dissabores, experimental alegrias instantâneas. Não é da gente que tenho saudades. É de não sei o quê...» São realmente muito tortos os caminhos do amor...
Mais do que sarcasmo de Camilo, que disfarçava, ao fim e ao cabo, uma ternura por esta gente metida nos seus «tamancos estóicos» (se assim não fora, como explicar que ele lhe tenha mordido e remordido o coração?), surpreende o desprezo de António Nobre,...
(...)
A grande trindade poética que lavra, nesta pedra escura, o perfil seguro do Porto - Fernão Lopes, Garret e Camilo - leva fatalmente à cidade uma pessoal visão do mundo, o seu génio próprio. O Porto de Fernão Lopes é quase legendário: heróico e honrado; o de Camilo, grotesco e dramático; o de Garret, irónico, pitoresco e sentimental. São três tempos (em duplo sentido: histórico e musical) do seu carácter que, embora esquematicamente enunciados, nos permitem algumas aproximações. A cidade viril de Fernão Lopes é ainda a de Herculano, Ramalho, Jaime Cortesão e Miguel Torga; Raul Brandão, Pascoaes e Agustina estão, de algum modo, na continuação do pessimismo de Camilo; de Garret parte, dessorada, perdido por completo o seu impenitente humor, toda uma toada que de Júlio Dinis e António Nobre vem desaguar em tanta loa tacanhamente regionalista e deprimente. Isto para falarmos apenas de quem mais se debruçou na alma destas pedras, bem pouco transparente, como se vê.
(...)

«Para a minha alma eu queria uma torre como esta, assim alta, 
assim de névoa acompanhando o rio.»

S. Lázaro, 1967
Eugénio de Andrade



Nota: Texto retirado do livro: "Daqui houve nome Portugal" - Antologia de verso e prosa sobre o Porto - Organizada e prefaciada por Eugénio de Andrade.

Bibliografia de Camilo Castelo Branco encontrada no livro:
«Obras Selectas - A Filha do Arcediago - Onde Está a Felicidade? - Ecos Humorísticos do Minho - Anos de Prosa.»

12 de janeiro de 2012

NATAL no Porto


"A noite de amanhã, no Porto, é um inferno em que, se não há o bíblico estridor dos dentes, há o flagício das cabeças infligido pela orquestra bárbara dos garotos, que conservam a instrumentação com que os pastores da Galileia festejaram o menino recém-nascido no presépio de Belém. São os ferrinhos, as sacabuxas, a viola chuleira, e as gargantas deles, que dilaceram pela rouquidão e pelos pigarros dos depósitos dos maus vinhos. A cada par de patacos que arrancam às famílias que transigem oprimidas e compram o silêncio daqueles bandidos, entram na taberna, aferventam o entusiasmo, e esmurraçam as portas que não se abrem.
Selvajarias de cafres cristãos. No Porto celebram-se  de tal maneira as festanças ruidosas pelo natalício do mansíssimo Jesus, que parece, naqueles estrondos de raiva e de algazarra, estar-se comemorando com dissonâncias de réprobos, não o nascimento de Jesus, mas sim o nascimento do diabo. Ó Cristo civilizador! envia um raio sereno e luminoso da tua graça àqueles garotos, visto que a polícia não se importa. (...)" 

Camilo Castelo Branco
Nota: Texto retirado do livro: "Daqui houve nome Portugal" - Antologia de verso e prosa sobre o Porto - Organizada e prefaciada por Eugénio de Andrade.

Bibliografia de Camilo Castelo Branco encontrada no livro:
«Obras Selectas - A Filha do Arcediago - Onde Está a Felicidade? - Ecos Humorísticos do Minho - Anos de Prosa.»



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Casa de Camilo - Noites de Insónia

«As “Noites de Insónia” têm como finalidade a descoberta de formas diferentes de aproximação aos textos camilianos, através da discussão em grupo de determinadas obras, escolhidas previamente. Do gosto pela leitura e da conversa sobre o que se lê, da troca de opiniões, de pontos de vista, de associações, procuraremos criar cumplicidades e desenvolver o gosto por uma leitura mais activa e partilhada da obra do romancista de Seide.» http://camilocastelobranco.org/index2.php?co=569&tp=6&cop=260&LG=0&mop=604&it=evento_lst Coordenadores: 2009 - Professor Cândido Oliveira Martins - Universidade Católica de Braga 2010 - Professor Sérgio Guimarães de Sousa - Universidade do Minho 2011 - Prof. João Paulo Braga

Encontros 2012 - Professor Sérgio

15 Fevereiro - "Memórias do Cárcere" - Discurso Preliminar
7 Março - "Memórias do Cárcere" - Do I capítulo ao V

Encontros 2011 - Professor Paulo

2011 "A Viúva do Enforcado" - 16 de Novembro - 21:30 "A Filha do Arcediago" - 19 de Outubro - 21:30 "As Aventuras de Basílio Enxertado" - 21 de Setembro - 21:30 "Maria Moisés" - 9 de Julho - 21:30 "O Cego de Landim" - 15 de Junho - 21:30 "O Retrato de Ricardina" - 4 de Maio - 21:30 "A Corja" - 6 de Abril - 21:30 "Eusébio Macário" - 9 de Março - 21:30 "A Sereia" - 9 de Fevereiro - 21:30

Encontros 2010 - Professor Sérgio

"Memórias de um suicida" - 30 de Novembro - 20h "O que fazem Mulheres" - 6 de Outubro - 21:30h "O Amor de Perdição" - 16 Junho - 20h "O Senhor do Paço de Ninães" - 21 Abril - 21h30 "Anátema" - 24 Março - 21h30 "A Bruxa de Monte Córdova" - 24 Fevereiro - 21h30 "A Queda dum Anjo" - 20 Janeiro - 21h30

Encontros 2009 - Professor Cândido

"Estrelas Propícias" - 11 Novembro - 20h "A Brasileira de Prazins" - 21 Outubro - 21h00 "Novelas do Minho" - 16 Setembro - 21h30 "Coração, Cabeça e Estômago" - 17 Junho - 21h30 "Vinte horas de Liteira" - 22 Maio - 21h30 "Memórias do Cárcere" - 30 Abril - 21h30